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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Cotas Raciais em Concursos

A Presidente Dilma Rousseff apresentou ao Congresso Nacional projeto de lei que cria cota de 20% para negros (pretos e pardos) em concursos públicos (PL 6.738/13). Neste artigo, faço alguns comentários sobre argumentos que fundamentam o meu posicionamento contrário ao projeto. 
Meu ponto de partida são as seguintes premissas: 1) o racismo ainda existe no Brasil; 2) provoca desigualdade social; 3) não podemos admiti-lo em quaisquer de suas formas e 4) há uma dívida histórica do Estado ou do povo brasileiro para com a população negra. 
Tenho observado que os favoráveis à política das cotas raciais em concursos fundamentam-se essencialmente no problema e não demonstram o porquê da solução proposta, nem como a sua implementação poderia ser feita de forma a que não se cometam injustiças. Sempre que se pergunta a quem é favorável às cotas quais as suas razões, em suma, ele apresentará os pontos acima.
Mas será que as cotas raciais em concursos públicos provocarão a diminuição do racismo ainda existente? Será que elas resolverão o problema da desigualdade social? Será que, de fato, a dívida histórica que se alega existir será paga com essa política?
De acordo com enquete feita pela Câmara dos Deputados (http://bit.ly/184yDqs), 89% da população tem se posicionado contra a proposta (resultado em 26/11/13). Isso quer dizer que mesmo a maioria da população negra não concorda com as cotas raciais em concursos. Um projeto que tenha rejeição tão ampla, até mesmo por aqueles que seriam seus beneficiários, merece, no mínimo, a realização de um debate franco, respeitoso e corajoso pelo parlamento.
O Brasil é um país mestiço. Não há brasileiro com genética puramente européia, africana, índígena ou amarela. Adotado o critério da ascendência (ou genótipo), todo brasileiro teria direito às cotas. Adotado o critério do fenótipo (da aparência simplesmente), filhos de mesmos pais poderiam ser classificados de forma diferente, o que seria injusto. O projeto não define o critério. Seja qual for, as cotas criarão mais problemas e injustiças que benefícios.
Se há uma dívida histórica para com a população negra, toda a sociedade deve ser responsabilizada por isso e não apenas aquelas pessoas que fazem concursos. Há políticas cujos custos são arcados por toda a sociedade. Isso é o que acontece, por exemplo, quando o governo oferece bolsas de estudo a pessoas negras para que se preparem para o concurso de diplomata. Veja que toda a sociedade arca com esses custos. As cotas, entretanto, restringem direitos de um grupo pequeno (aqueles que fazem concursos e são não negros) enquanto ampliam direitos de outro grupo. 
A geração de brancos atual não pode ser responsabilizada pelo que fizeram as gerações anteriores, até porque, como os brasileiros são mestiços, não há uma linha clara que una as gerações atuais desta ou daquela cor às gerações anteriores. Em outras palavras, um branco de hoje, segundo o critério do fenótipo, pode ter ascendência negra e vice-versa.
São princípios que fundamentam o concurso público: a meritocracia, a isonomia e a eficiência do Estado. O critério racial enfraqueceria a aplicação desses princípios.
O concurso público fundamenta-se na meritocracia. A sociedade não quer profissionais desta ou daquela cor. Ela quer os melhores profissionais, independentemente de cor. Cargo público não é título de nobreza a ser distribuído de acordo com quaisquer critérios. No concurso público deve prevalecer o mérito.
O projeto é inconstitucional, pois fere o princípio da eficiência da administração pública. Se os mais bem preparados serão preteridos, é lógico que o serviço a ser prestado pelos escolhidos segundo outros critérios tende a ter qualidade inferior. A medida também é desproporcional, na medida em que não foi proposta também para os cargos em comissão. Ela também cria mais uma ressalva ao princípio da acessibilidade aos cargos públicos, quando a Constituição só prevê uma: a cota para pessoas com deficência.
Os negros já possuem cotas para ingresso no ensino superior. É de se esperar que, depois de concluída a faculdade, eles estejam tão preparados quanto os brancos. Assim, as cotas em concursos, pelo menos no que diz respeito aos cargos que exigem graduação, deixariam de ser ação afirmativa e passariam a ser privilégio para determinado grupo, o que feriria o princípio da isonomia.
A autodeclaração prevista no projeto não coaduna com os critérios objetivos que devem pautar os concursos públicos. Isso abrirá espaço para oportunistas e ampliará a judicialização dos concursos. Com efeito, muitos buscarão o judiciário e, com base no critério do genótipo, conseguirão assumir as vagas reservadas aos negros, mesmo que, pelo critério do fenótipo, não sejam negros. É o caso da pessoa branca filha de pessoa negra. É óbvio que ela tem genética de negros e isso será o suficiente para convencer muitos juízes. Digo isso porque os defensores das cotas defendem o critério do fenótipo, pois quem sofre racismo não é o branco filho de negro e sim o negro, independentemente da ascendência. As bancas vão tentar aplicar o critério do fenótipo, mas muita gente vai invocar o critério do genótipo. 
A confirmação da cor por terceiros (também prevista implicitamente no projeto) provocará a criação de tribunais raciais no país, para distinguir quem é negro de quem é branco. 
As notas de corte em concursos cujos editais não estabeleçam nota mínima (e não há lei que obrigue a que se estabeleça) poderão ser muito baixas para cotistas. Será possível que pessoas ingressem no serviço público com nota de 20% ou até muito inferiores.
De acordo com informações do Governo, em 2004, 22% dos servidores públicos federais eram negros. Em 2013, esse percentual passou a 30%. Note-se que houve uma evolução de 8% em 10 anos. Se essa tendência continuar, num espaço de 20 anos, o percentual estará muito próximo daquele se observa na população. Se a intenção é acelerar o processo, faz-se necessário maior investimento em educação, pois só assim, de fato, serão reduzidas as desigualdades sociais no Brasil.  
Até 20% das vagas já podem ser reservadas às pessoas com deficiência. Se aprovado o projeto das cotas raciais, 40% das vagas poderão ser reservadas em concursos para pessoas com deficiência e para negros. Isso é desproporcional e muito injusto. As pessoas não negras e pobres enfrentarão dificuldades ainda maiores para alcançar espaço no setor público. O projeto amplia direitos para uns e os restringe para outros.
As cotas raciais em concursos públicos em nada contribuem para a diminuição do racismo. Enquanto o estado obrigar as pessoas a assumirem esta ou aquela cor, o racismo, ao invés de ser evitado, será reavivado culturalmente. Os negros que entrarem no serviço público e os que já estão poderão sofrer discriminação pelos próprios colegas e também pelo cidadão. A pessoa negra que está no serviço público hoje sujeitou-se a concurso público da mesma forma que qualquer pessoa. Se ela sofre alguma discriminação, é discriminação meramente por conta da cor, o que será sempre um absurdo sempre. Com as cotas isso não será assim, essas pessoas além de sofrerem o racismo que porventura já exista, podem ser discriminadas porque tiveram um acesso facilitado aos cargos públicos. Esse ambiente certamente incitará ainda mais o racismo. 
Tive notícia de que o governo já está pedindo aos servidores públicos que informem suas cores no Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos - Siape. Isso é lamentável. 
As cotas raciais não resolvem e não contribuem para a redução da desigualdade social. Em primeiro lugar, há fatores tão ou mais importantes que levam à desigualdade social. Em segundo lugar, os maiores beneficiários da proposta serão os negros com maior renda. Aqueles que estudaram em boas escolas e que tiveram um bom suporte familiar.  
As cotas raciais não pagarão a suposta dívida histórica do Estado e do povo brasileiro para com a população negra. Se, como já defendemos, o racismo pode aumentar e a desigualdade social em nada será afetada, essa dívida histórica não será paga pela medida proposta. Só há uma maneira de se resolver a desigualdade social no país, seja ela decorrente de racismo ou de qualquer outra coisa: forte investimento em educação. Os defensores das cotas dirão que isso é solução de longo prazo, que precisam de algo no curto prazo. Não discordo. É preciso fazer algo no curto prazo também. Mas não como o governo está propondo. 

Guto Bello é Presidente da Associação Nacional dos Concurseiros, estatístico, advogado, Consultor Legislativo do Senado Federal e coach em concursos públicos. www.facebook.com/gutobello (61) 8173-6373

Um comentário:

  1. Muito bom o post, na minha opinião essas cotas ferem frontalmente o princípio da igualdade. Eu sou branco e o estado tem uma ENORME dívida comigo e com minha família, meu pai morreu vítima da violência e falta de atendimento médico, o estado tem dívida com toda a população por causa da ditadura e os serviços precários e a corrupção, vamos parar de ficar pagando "dívida" de 300 anos e não fazer mais dívidas. Vamos investir em educação para que todos tenham chances iguais.

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